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"Parece irreal": Gaëtan, carteiro há 20 anos, foi despedido por ter faltado ao trabalho por doença com frequência.

Homem idoso em túnel, cercado por casacos amarelos, segurando papéis, luz suave e casas visíveis ao fundo.

Vinte anos na mesma volta, as mesmas chaves a tilintar no bolso, as mesmas caras à espera no portão. Depois, uma carta, uma reunião, uma assinatura. Despedido por faltar ao trabalho “demasiadas vezes” por doença. O caso de Gaëtan, um carteiro veterano que afirma “Parece irreal”, expõe uma questão dura que muitos locais de trabalho evitam: onde termina o dever e começa a dignidade?

Gaëtan folheia o seu molho de envelopes, os ombros já tensos, o joelho a latejar com aquela velha queimadura. Brinca com os mais novos, acena à senhora do tabacaria, desce de um passeio que fica sempre escorregadio depois da chuva.

Reconhece o latido de cada cão pelo tom. Cada reformado ambulante pelo passo. “Parece irreal”, diz, quando questionado sobre o fim. E sente mesmo isso. As palavras ficam no ar como nevoeiro.

Vinte anos de volta, e uma porta que se fecha silenciosamente

Manteve o serviço em movimento quando as tempestades cortaram a luz, persistiu mesmo quando o rastreador alertava para atrasos. O corpo dele acumulou marcas de modos que a folha de cálculo não vê. Os joelhos de arrastar carrinhos. As costas de abrir caixas de correio pesadas. A mente do cansaço constante de tentar dobrar o tempo à volta.

No papel, é ausência. Na carne, é esforço em cima de esforço. Dizia que a rua lhe dizia as horas pelo cheiro a padarias e escapes de autocarro. Agora diz-lhe outra coisa: o tempo passa, e a lealdade pode ser caminho só de ida.

No inverno passado, a gripe passou como rastilho pelo posto. Perdeu uma semana, depois mais dois dias por causa de exames quando o joelho bloqueou com o gelo negro. O terceiro sinal veio após uma infeção pulmonar que não passava. Chegou o convite formal: reunião de assiduidade, chefe de linha, RH, frases refinadas.

Vestiu uma camisa lavada. Respondeu com clareza. Admitiu as baixas médicas, apresentou o plano de fisioterapia, os analgésicos que tornavam as manhãs em algodão. O chefe leu do papel, voz cuidadosa, neutra, treinada. A decisão já lá estava escrita. A sala parecia menor do que a verdade.

As políticas falam a linguagem da justiça: aplicar os mesmos limites a todos, evitar favoritismos, manter o sistema limpo. Acionadores ao X dias por período contínuo. Fase um, fase dois, fase três. Em algum lugar dos números, o contexto encolhe. Um trabalho de distribuição não é teoria. São passos, clima, peso, e o desgaste certo de corpos que envelhecem.

Os systems de assiduidade protegem as equipas do caos. Também eliminam os poucos que não conseguem manter o ritmo de uma semana perfeita. A tensão está aí: consistência versus compaixão, linha a linha num PDF de política. Em alguns sítios, os ajustamentos surgem cedo. Noutros, as “necessidades operacionais” vencem sempre.

O que os trabalhadores podem fazer quando a doença ameaça o trabalho

Comece a registar tudo assim que a saúde se torna uma rotina, e não um episódio isolado. Mantenha um registo simples: datas dos sintomas, notas do médico de família, fatores do trabalho que agravaram — o saco pesado, as escadas sem fim, a esquina gelada da Rua das Flores. Peça, por escrito, uma referenciação para a medicina do trabalho. Sugira ajustes práticos: um troço mais leve da volta, trocar o carrinho, começar mais tarde enquanto a medicação estabiliza.

Leve sempre um representante do sindicato ou um colega de confiança a cada reunião formal. Declare logo o objetivo: manter-se a trabalhar, em segurança. Se gere alguém como o Gaëtan, reserve dez minutos para ouvir antes dos papéis. Às vezes, uma pequena mudança ergonómica devolve meses de trabalho. Uma boa nota hoje pode salvar um emprego amanhã.

As armadilhas comuns apanham até os melhores. As pessoas só recolhem atestados médicos quando recebem o segundo aviso. Pedem desculpa por estarem doentes, em vez de descreverem o padrão. Faltam às reuniões por receio, o que soa a desinteresse. Sejamos honestos: ninguém faz isto todos os dias.

Não partilhe informação sensível em excesso; partilhe apenas o que é relevante para o impacto laboral. Peça a política de assiduidade na íntegra. Confirme se as faltas por incapacidade são registadas de forma diferente, como acontece em muitos locais. Se sente menos energia no inverno, diga. Se certas escadas ou elevadores agravam a dor, assinale. Pequenos factos mudam o dia de trabalho.

“Não queria tratamento especial”, diz Gaëtan à porta do posto, “só uma oportunidade justa para recuperar e continuar.”

Não soa zangado. Soa cansado e, de forma estranha, ainda leal a um trabalho que o despediu. Eis uma checklist rápida para ter consigo:

  • Peça a medicina do trabalho cedo e exija recomendações por escrito.
  • Proponha adaptações específicas que sabe conseguir manter.
  • Registe todas as reuniões: data, participantes, decisões.
  • Esclareça como o empregador regista ausência por incapacidade ou lesão.
  • Recurso dentro do prazo, mesmo que ache que não vai ganhar.

Para lá de Gaëtan: que cultura de trabalho queremos?

Há um ponto em que as regras cumprem o prometido — põem ordem no caos das vidas humanas — e também cortam aquilo que faz o trabalho valer a pena: memória, cuidado, orgulho numa rua e nas pessoas que nela vivem. Todos já sentimos quando o sistema fala antes da pessoa ter hipótese.

Talvez já tenhas carregado alguém como Gaëtan na tua equipa. Talvez tenhas sido ele. A economia valoriza a eficiência; os corpos preferem rotinas, descanso e tempo. Entre ambos fica a política, e a política pode ser mais humana sem colapsar. Imagina avaliações de assiduidade que partem da capacidade, não da culpa.

Esta semana esvazia o cacifo. O metal bate, o som ressoa. Se tens uma história parecida, conta-a. Se validas os papéis, faz uma pergunta a mais do que o habitual. Um saco de correio é só lona e fivelas. Uma volta é um mundo.

Ponto chaveDetalheInteresse para o leitor
Acionadores de assiduidadeSaiba os limites e como funcionam os períodos contínuosAjuda a planear consultas e evitar surpresas
Medicina do trabalhoPeça cedo; solicite recomendações escritas e práticasTransforma factos de saúde em mudanças acordadas no trabalho
DocumentaçãoRegiste datas, atas de reuniões e cartasBase mais forte em audiências e recursos

Perguntas Frequentes :

  • O empregador pode despedir-me por excesso de faltas por doença? Sim, o despedimento por ausências persistentes pode acontecer, mas o processo conta: limites justos, parecer médico e genuína consideração de alternativas.
  • As faltas por incapacidade contam da mesma forma? Muitas vezes são registadas de modo diferente ou excluídas parcialmente. Verifique a política e peça confirmação escrita aos RH.
  • O que devo levar a uma reunião de assiduidade? Baixas médicas recentes, um resumo do impacto, propostas de adaptação e — se possível — um representante sindical ou colega.
  • Como sugerir adaptações razoáveis? Seja concreto: volta mais curta, equipamento diferente, regresso faseado, alterar o início do turno. Relacione cada pedido com um benefício claro para o trabalho.
  • Vale a pena recorrer? Sim. O recurso pode corrigir erros de processo, acrescentar prova médica ou permitir negociar novo plano. Até uma vitória mínima pode manter o posto.

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