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Hipertensão: estudo em ratos revela forte impacto do cérebro

Ilustração do corpo humano com órgãos visíveis e alimentos em destaque, além de uma medição de pressão arterial ao fundo.

Uma nova linha de evidência aponta para cima, em direção ao cérebro.

Investigadores em Montreal sugerem agora que aquilo que comemos pode desencadear uma reação em cadeia no sistema nervoso, aumentando a tensão arterial a partir de dentro. Esta descoberta não substitui o clássico conselho sobre o sal, mas reformula o próximo alvo dos tratamentos.

A mudança dos rins para o cérebro

Durante décadas, os rins foram o centro das atenções na hipertensão. Gerem fluidos, filtram o sangue e respondem a hormonas que apertam as artérias. Essa visão mantém-se. No entanto, um novo estudo em ratos da Universidade McGill, publicado na Neuron a 19 de agosto de 2025, coloca o cérebro como um fator determinante na pressão arterial sensível ao sal.

Nas experiências, os ratos beberam solução salina a 2%, simulando uma dieta muito salgada, comum em algumas regiões da América do Norte. A equipa monitorizou sinais cerebrais, marcadores inflamatórios e alterações na libertação hormonal. O que observaram liga, de forma direta, a dieta ao controlo neural da pressão arterial.

O excesso de sal desencadeou inflamação no cérebro e aumentou a vasopressina, uma hormona que contrai os vasos sanguíneos e ajuda o corpo a reter água, levando a um aumento da pressão arterial.

A vasopressina é produzida no hipotálamo e libertada pela pituitária. Contrai as artérias e sinaliza aos rins para conservar água. Quando o cérebro aumenta a produção de vasopressina e ativa vias de stresse associadas, a pressão sobe. Se o consumo elevado de sal continuar, essa pressão elevada pode tornar-se hipertensão crónica.

O que os investigadores fizeram na prática

O protocolo foi simples, o que facilita a interpretação dos resultados. Os ratos receberam solução salina a 2% em vez de água. Os investigadores monitorizaram a pressão arterial e procuraram sinais de ativação imunitária em regiões cerebrais que regulam o sistema nervoso autónomo, como o hipotálamo. Mediram também a atividade da vasopressina e marcadores de microglia — as células imunitárias residentes do cérebro — que indicam um estado inflamatório.

O resultado sugere um ciclo de retroalimentação: o sal estimula o sistema imunitário do cérebro, a inflamação eleva a vasopressina e o tónus simpático, e ambos combinam-se para aumentar a pressão. Os rins respondem depois a esses sinais cerebrais, não apenas a alterações locais de sal e água. O alvo passa da periferia para o comando central.

O sal, o gatilho escondido nos alimentos do dia a dia

A hipertensão aumenta com a idade, mas a alimentação influencia o risco em qualquer faixa etária. No Reino Unido, recomenda-se aos adultos não ultrapassar 6g de sal por dia. Muitos excedem esse valor sem se dar conta. A maior parte provém de produtos processados e não do saleiro. Pão, sopas enlatadas, molhos, caldos, refeições prontas, carnes curadas e queijo somam rapidamente. Até doces de alcaçuz podem aumentar a tensão arterial porque a glicirrizina incentiva a retenção de sódio pelo organismo.

Se os seus valores estão a subir, reduzir o sal é das formas mais rápidas de agir. Tende a ser mais eficaz em adultos mais velhos e em pessoas com hipertensão sensível ao sal, um padrão mais comum nalguns grupos étnicos.

  • Leia os rótulos nutricionais e escolha produtos com menos sal por 100 g. Pequenas trocas fazem diferenças ao longo das refeições.
  • Troque carnes processadas e noodles instantâneos por proteínas frescas, leguminosas e cereais integrais.
  • Tempere com ervas, citrinos, alho, malagueta, vinagre e cogumelos ricos em umami em vez de sal.
  • Passe feijão e legumes enlatados por água para remover a salmoura da superfície.
  • Prefira frutos secos sem sal, pipocas simples e iogurte natural em vez de snacks salgados.
  • Atenção ao alcaçuz e a comprimidos efervescentes com alto teor de sódio, que podem facilmente ultrapassar o limite diário.

O que isto pode significar para o tratamento

Se os dados nos ratos se confirmarem em humanos, os médicos podem ter uma nova abordagem: reduzir a inflamação cerebral e controlar a vasopressina para baixar a pressão arterial. Isso não substitui as terapias atuais. Inibidores da ECA, ARBs, bloqueadores dos canais de cálcio e diuréticos tiazídicos continuam a ser fundamentais. Mas o leque pode aumentar para incluir medicamentos que modulam os circuitos centrais ou acalmam a microglia hiperativa.

Futuras terapias podem visar as redes cerebrais que regulam a pressão arterial, e não apenas os vasos e rins que a executam.

Existem obstáculos práticos. Os medicamentos devem atravessar a barreira hematoencefálica em segurança. Devem baixar a pressão sem afetar o estado de alerta ou o humor. Já existem algumas ferramentas. Antagonistas dos recetores de vasopressina, hoje usados para distúrbios específicos de fluidos, mostram que a via pode ser alvo farmacológico, mas têm riscos e não estão aprovados para hipertensão comum. As abordagens anti-inflamatórias dirigidas ao cérebro estão ainda em fase experimental.

A perspetiva do sistema nervoso

O stresse, o sono deficiente, a apneia obstrutiva do sono, o tabaco e a obesidade aumentam a atividade simpática originada no tronco cerebral e hipotálamo. O sal parece potenciar esse sinal. Nos ratos, o sal em excesso aumentou o impulso excitatório nos núcleos que aceleram o ritmo cardíaco e contraem as artérias. Isso pode explicar porque as mudanças no estilo de vida que acalmam o sistema nervoso — exercício regular, melhor sono, exposição consistente à luz natural, exercícios respiratórios — muitas vezes baixam alguns pontos à pressão arterial, antes mesmo de ocorrer perda de peso.

O que pode fazer agora

Pode agir através do estilo de vida enquanto os investigadores testam tratamentos dirigidos ao cérebro. Combine vários pequenos passos. No conjunto, fazem a diferença.

  • Meça a pressão em casa: duas vezes de manhã e duas ao fim do dia, durante uma semana. Uma média inferior a 135/85 mmHg em casa costuma corresponder ao alvo de 140/90 mmHg em consulta.
  • Reduza o sal diário em 3–4 g se consumir muitos alimentos processados. Esta mudança pode baixar a pressão sistólica alguns pontos, e ainda mais se for sensível ao sal.
  • Durma 7–8 horas e trate o ressonar ou apneia. Os picos noturnos sobrecarregam as artérias.
  • Mova-se na maioria dos dias: caminhadas rápidas, ciclismo ou natação 150 minutos por semana melhoram o tónus vascular.
  • Mantenha o álcool dentro das recomendações britânicas e evite o consumo excessivo.
  • Se toma medicação para a pressão, continue a tomá-la. Fale com o seu médico antes de qualquer alteração.

Termos-chave a conhecer

Vasopressina: hormona produzida no hipotálamo que estreita os vasos sanguíneos e reduz a perda de água pelos rins. Níveis elevados aumentam a pressão arterial.

Neuroinflamação: ativação das vias imunitárias no interior do cérebro, muitas vezes envolvendo microglia. No modelo de ratos da McGill, o sal pareceu desencadear esta resposta.

Hipertensão sensível ao sal: padrão em que a pressão arterial sobe muito com maior ingestão de sódio. É mais comum em adultos mais velhos e nalguns grupos étnicos.

O que o modelo animal ainda não nos disse

Os animais ajudam a mapear mecanismos, mas as pessoas diferem na dieta, stresse, genética e medicamentos. A solução salina a 2% representa um consumo muito alto de sal, não o dia normal no Reino Unido. Agora é preciso testar se as mesmas alterações cerebrais ocorrem em humanos, e se atenuar esses sinais reduz a pressão para além dos cuidados padrão. Até lá, a aposta de baixo risco é simples mas eficaz: menos sal, bom sono, atividade regular e medições periódicas.

Mais um aspeto raramente referido: o alcaçuz. Pode parecer inofensivo, mas o consumo frequente eleva a pressão por um efeito semelhante ao dos esteroides nos rins. Se gosta, consuma em pequenas quantidades e de forma esporádica. O mesmo se aplica a alguns analgésicos efervescentes e comprimidos vitamínicos com alto teor de sódio.

A hipertensão desenvolve-se por vários motivos, e não existe solução única para todos. As novas descobertas sobre o cérebro são valiosas: ligam a dieta ao controlo neural, e sugerem porque algumas pessoas reagem tão fortemente ao sal. Essa perceção abre caminho para uma prevenção mais inteligente hoje e tratamentos mais precisos no futuro.

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