Ocasionalmente, estas descobertas vêm à superfície, levando-nos a repensar como as primeiras comunidades construíam significado em conjunto.
Nos cumes do sudeste da Turquia, um novo achado em Göbekli Tepe levanta agora questões pertinentes sobre crença, construção e memória. Uma equipa liderada pelo Professor Necmi Karul, da Universidade de Istambul, descobriu uma estátua humana selada dentro de uma parede de pedra, num sítio datado aproximadamente entre 9600 e 8800 a.C. O ministro da cultura da Turquia, Mehmet Nuri Ersoy, destacou a descoberta nas redes sociais. O trabalho integra o programa Taş Tepeler, que liga 36 instituições e 220 investigadores em dez sítios neolíticos. Os conservadores já iniciaram o tratamento, e ainda não há publicação peer-reviewed.
Uma descoberta enraizada numa escavação minuciosa
Göbekli Tepe situa-se a cerca de 15 quilómetros de Şanlıurfa, num afloramento calcário que domina a planície. A equipa localizou a estátua dentro de uma cavidade no interior de uma parede, disposta na horizontal, como se tivesse sido ali colocada intencionalmente. O contexto e o encaixe sugerem um ato votivo, e não apenas a reutilização de entulho. Notas estratigráficas, mapeamento geomagnético e fotografia sistemática documentam a sequência.
Os arqueólogos protegeram imediatamente a peça após a exposição, para limitar a erosão e o manuseamento. As imagens detalhadas permanecem confidenciais para proteger o artefacto durante a limpeza, estabilização e análise. O processo é supervisionado pelo Ministério da Cultura e Turismo, tratando-se a descoberta como assunto de interesse nacional e científico.
Uma figura humana embutida deliberadamente numa parede neolítica pré-cerâmica é rara e marcante para esta região.
Os investigadores salientam tanto o contexto como o objeto. Uma forma humana inserida na alvenaria transforma a própria parede num portador de significado, não apenas num pano de fundo para cerimónias.
Uma figura humana rara num bestiário de pedra
Göbekli Tepe é famosa pelos pilares em forma de T esculpidos com raposas, serpentes, javalis e abutres. As representações humanas completas são raras no monte. Esse desequilíbrio é relevante, pois demonstra que os construtores privilegiaram o simbolismo animal para transmitir mensagens. Uma estátua humana completa, fixa na arquitetura, quebra esse padrão e exige atenção.
A datação preliminar coloca a peça no período inicial de uso do sítio, no Neolítico Pré-Cerâmico A. Esse período antecede a cerâmica e a maioria dos animais domesticados. As comunidades caçavam, recolhiam e armazenavam, deixando também estruturas em escala monumental. Uma estátua humana neste contexto levanta questões sobre identidade, antepassados e a forma como os primeiros grupos encenavam as suas crenças.
O que a pose e a localização podem indicar
- Uma figura de guardião a marcar um limiar dentro de uma câmara ritual.
- Uma dedicação associada à fundação ou encerramento de um edifício.
- Uma imagem de ancestral, selando a memória do grupo na arquitetura em pedra.
- Um elemento narrativo dentro de um friso de símbolos hoje perdido.
- Uma referência cósmica, emparelhando a forma humana com relevos animais para equilibrar uma ordem mítica.
Existem indícios comparáveis em Karahantepe, outro sítio do programa Taş Tepeler, onde surgem esculturas humanas parciais. Esses exemplos ajudam, mas a integração completa de uma estátua numa parede continua a ser excecional. Essa singularidade alimentará debates sobre função e significado durante anos.
Arquitetura que pensa
Göbekli Tepe não se apresenta como uma aldeia. As escavações não revelaram lareiras, sepulturas ou pavimentos domésticos. Em vez disso, as equipas mapearam círculos e ovais de pilares maciços, alguns com seis metros de altura e pesando até 20 toneladas. Os construtores extraíram, talharam e transportaram-nos com mão-de-obra organizada e engenharia engenhosa.
A estátua agora exposta reforça a ideia de que arquitetura e ritual formavam um só sistema. A parede torna-se um texto. O edifício, um palco para um ato. A estátua fixa uma mensagem no tecido da estrutura.
Os trabalhos recentes na Estrutura C, finalizados em 2025 no âmbito do programa Geleceğe Miras (Herança para o Futuro), reposicionaram vários pilares com base nos encaixes originais. Os especialistas reforçaram paredes periféricas com argamassa contendo pelo de cabra, seguindo receitas identificadas em fases anteriores. Levantamentos geofísicos mapeiam agora vazios e alinhamentos soterrados, orientando as próximas trincheiras.
Aqui, o edifício não é apenas abrigo para cerimónias; o edifício é a cerimónia.
Repensar como começou a vida sedentária
Durante décadas, os manuais escolares apresentaram a agricultura como fator determinante para o surgimento de povoamentos e monumentos permanentes. Göbekli Tepe ajudou a reescrever essa narrativa. O sítio mostra grupos móveis ou semi-móveis a investir grande energia em locais de reunião antes do estabelecimento da agricultura. A estátua humana embutida na parede encaixa-se nesse modelo. Mitos partilhados, encenados em pedra, podem ter unido os grupos com força suficiente para os fixar época após época.
Esta mudança é importante para a teoria mais ampla. Eleva a crença e a coordenação social ao mesmo nível que as colheitas e o armazenamento na história do desenvolvimento social. Símbolos, festas e regras conseguem mobilizar trabalho. A arquitetura pública estabiliza alianças. O achado enquadra-se também numa política cultural mais ampla. Após uma exposição em Roma em 2023, a Turquia prevê uma mostra em Berlim em 2026, com 96 objetos do museu de Şanlıurfa, colocando estas primeiras experiências rituais no palco global.
O que acontece a seguir
Os conservadores irão documentar marcas de ferramentas, pigmentos e resíduos. A microscopia pode detetar vestígios de cal ou betume. A microtomografia pode revelar fraturas internas ou técnicas de montagem. Se os solos retidos ao redor da estátua sobreviverem, os laboratórios poderão estudar fitólitos e microcarvão para detetar atividade junto à parede. Análises de isótopos estáveis em crostas de calcite permitem refinar a microcronologia.
As equipas de campo também vão reexaminar pedras próximas à procura de encaixes, camadas de argamassa ou cortes associados à localização da estátua. Um contexto preciso pode mostrar se a inserção ocorreu com a renovação do pavimento, substituição de um pilar ou encerramento de uma sala. Cada hipótese aponta para um roteiro ritual diferente.
Como ler uma face com 12 mil anos
A interpretação envolve riscos. Os modernos projetam imagens familiares de líderes ou divindades nas formas pré-históricas. Os investigadores irão comparar proporções, gestos e estilização com outras figuras do PPNA provenientes do Levante Setentrional. Poderão testar se mãos, cintos ou indícios genitais correspondem a tipos conhecidos. Se a face mostra abrasão deliberada, isso pode indicar “morte” ritual antes do depósito. Se os olhos exibem encaixes, poderemos estar perante uma estátua que chegou a fitar o seu público.
Contexto prático para leitores
O Neolítico Pré-Cerâmico A marca a transição entre os últimos caçadores-recoletores e os primeiros grupos sedentários. As pessoas construíram grandes espaços comunitários, armazenaram alimentos e talharam pedra em grande escala, mas continuaram dependentes de recursos silvestres. Sítios como Göbekli Tepe captam esse momento de transição, em que os locais de reunião uniam grupos ao longo das estações.
A conservação traz desafios próprios. A exposição acelera o crescimento de sais, microfissuras e perda de pigmento. As equipas em Şanlıurfa dão agora preferência a abrigos, drenagem controlada e argamassas reversíveis. Réplicas digitais ajudam a planear intervenções e a partilhar dados sem manusear o original. O interesse público aumentará, o que facilita o financiamento, mas exige cuidados redobrados na gestão dos visitantes para proteger as superfícies frágeis.
Pontos essenciais em resumo
- Uma estátua humana foi encontrada embutida numa parede em Göbekli Tepe, num edifício PPNA perto de Şanlıurfa.
- O contexto sugere uma inserção deliberada, provavelmente ligada à prática ritual e à memória coletiva.
- Figuras humanas são raras no sítio, que apresenta sobretudo relevos de animais em pilares em T.
- A descoberta reforça a ideia de que cerimónias e símbolos partilhados estabilizaram as primeiras comunidades antes da agricultura dominar.
- A conservação e análise estão em curso; a publicação integral irá clarificar estilo, execução e significado.
Para os leitores que queiram aprofundar o tema, dois aspetos merecem destaque. Primeiro, a matemática social da construção de monumentos: modelos simples mostram que alguns incentivos fortes, como festas, ciclos de histórias e alianças matrimoniais, conseguem mobilizar centenas de pessoas sem necessidade de reis ou impostos. Segundo, a cadeia artesanal: extrair, talhar, transportar e instalar uma estátua cria funções e competências, moldando estatuto e aprendizagem. A estátua na parede situa-se justamente no ponto de encontro dessas duas forças, onde a crença encontra a técnica e deixa uma marca ainda hoje legível.
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